segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A propósito de Arte

 



A propósito de arte



No momento que se vive, em que a pandemia nos ocupa a cabeça, mais do que qualquer outra coisa, discorrer sobre arte parece uma leviandade.

No entanto a actual situação agudiza o problema da posição dos artistas na sociedade, tal como a dos trabalhadores em geral.


De um modo geral, quando se fala da situação precária dos artistas, fala-se daqueles que vivem de artes, como as performativas, de espectáculo, cuja existência depende da sua apresentação pública. Sem público o espectáculo não tem razão de ser. Por mais que se apresentem essas obras on line, falta a bilheteira, que pague o trabalho de toda uma equipa que vai dos actores e encenadores a um conjunto infindável de técnicos de som, luz, cenários, figurinos e não sei quantas coisas mais. Ou seja, todos aqueles que seriam pagos por uma parcela da bilheteira numa sala de espectáculos.


É o drama que estes artistas divulgam, por vezes, na comunicação social, manifestando-se publicamente pela situação precária em que se encontram.


Mas vejamos, o caso das artes plásticas.


  1. O criador e o consumidor

Sem querer fazer aqui a história das artes plásticas e do público que delas tem desfrutado ao longo dos tempos e simplificando, talvez demais, essa evolução, podemos constatar que a Arte teve sempre, ao longo dos tempos, uma função social, sendo considerada a sua utilidade tão indispensável como a de qualquer outra actividade humana.

Lembramos a função mágica que a Arte teve na pré-história onde a representação do objecto (a caça) pressupunha a sua apropriação, função essa que ainda podemos encontrar hoje em certas comunidades.

Tomemos de seguida como exemplo a época medieval. Os templos edificados, tinham como função, não apenas as celebrações do culto, como o aspecto didáctico contido na figuração que os ornamentava, cujo objectivo maior era enaltecer o poder divino e, de caminho, ir lembrando os terrores que, no inferno, esperavam aqueles que não se comportavam segundo as normas estabelecidas pela Igreja.

A Igreja foi, e continua a ser um dos maiores empregadores de artistas, devido à sua inesgotável fortuna, acumulada ao longo dos séculos, mas sobretudo ao efeito que sempre soube terem as grandiosas edificações religiosas, tanto nos crentes como nos apreciadores de Arte. É uma potente, rendosa e, quase sempre, bela forma de propaganda.

Reis e outros nobres também contribuíram para encomendar obras de Arte, desde as arquitectónicas às requintadas iluminuras dos seus livros de horas, isto para nos confinarmos apenas, às artes plásticas.

Com o tempo, o retrato ganhou cada vez mais importância. A nobreza pretendia que a sua imagem permanecesse para a posteridade, e o retrato enaltecia a sua importância na sociedade, o seu poder, a sua pretensa dignidade, pondo em evidência a classe a quem se deveria obedecer e servir, sem questionar a importância que o nascimento ou o dinheiro tinham na organização social por classes, em que uns detêm o poder e os outros trabalham arduamente e vivem na miséria.

Ora, a distribuição da riqueza , nos dias de hoje, não se alterou assim tanto, de forma assinalável.

Resumindo, o sustento dos artistas durante séculos foi a necessidade de enaltecer os poderosos, clero e nobreza, sendo o pagamento bem retribuído , por vezes, com obras imortais, de valor incalculável.

Com a ascensão da burguesia o retrato vulgarizou-se mais tendo, para muitos burgueses, a função de documento de identidade, que os mais endinheirados, como ourives ou banqueiros, por exemplo, exibiam em comprovação da sua mestria, sempre que se deslocavam de uma cidade para outra.

Portanto, em qualquer dos exemplos, o artista era um trabalhador pago com dinheiro da Igreja, dos monarcas e outros nobres, ou da burguesia endinheirada.

Quando bons oficiais eram mesmo muito requisitados, por vezes com exclusividade, pelos detentores do poder e do dinheiro. Mesmo não muito cotados de início, sempre havia trabalho nas oficinas dos mestres, que os encarregavam do fabrico das tintas, conservação dos materiais, limpeza da oficina e, à medida que adquiriam qualidades artísticas, eram eles a pintar zonas menos nobres dos quadros dos mestres.

Muitos artistas famosos começaram assim, por esta aprendizagem.

E, durante séculos, o artista, pintor, arquitecto, escultor, por vezes dedicando-se a todas estas artes, teve uma posição social bem demarcada e inquestionável, não se limitando a desenvolver técnicas de pintura, investigando também outras áreas, como matemática, geometria, resistência dos materiais, óptica, etc..

Daí decorria que as obras de Arte eram naturalmente aceites consideradas mesmo contributos indispensáveis para o avanço do conhecimento da sociedade.

Mas tal aceitação, do contributo para o desenvolvimento do conhecimento, proporcionada pela Arte, estaria ao alcance de qualquer indivíduo, e todos estariam aptos a apreciar uma obra de arte, nos seus múltiplos aspectos?

Diz Noémio Ramos, em O Clérigo da Beira, que Gil Vicente ”seguiu a regra de ouro de Platão dispondo e ordenando em conformidade o seu discurso, oferecendo à alma complexa discursos complexos e com toda a espécie de harmonias, e simples à alma simples”

Existem então diferentes graus de compreensão?

Deixaremos claro que não interpretamos a maior ou menor complexidade da alma pelo nível de cultura académica, embora essa, e outras formas de conhecimento, tenham naturalmente importância.


O facto da obra de arte poder ser apreciada por um vasto público, não significa contudo que se tenha dela um entendimento pleno.

A linha dividida na vertical proposta por Platão referida na obra citada, escalona diferentes níveis do pensamento/entendimento.

Nas artes plásticas, por exemplo, desde o mais evidente, como reconhecer o objecto pintado, pela sua semelhança com o real, ou a evidência do tema e, pela afinidade que possamos sentir, de forma mais ou menos objectiva, tendo em conta o enquadramento no contexto da Arte em geral, e conhecimentos técnicos que possamos dominar, enfim, são muitos os níveis que nos permitem entender e analisar uma obra.


Repita-se que os diferentes graus de entendimento não dependem da “erudição” do observador. Há pessoas ditas cultas, de vastos currículos e com vários graus académicos acumulados que sofrem de uma frigidez intelectual, impeditiva de ver, escutar e, ainda muito menos, interpretar seja o que for.

A confirmá-lo, ocorrem-me certos exemplos:

Consta que, nas belíssimas óperas de Verdi apresentadas nas salas de espectáculos - onde os lugares mais económicos, as galerias, eram ocupados por gente do povo entusiasmada - as árias de maior êxito eram depois trauteadas alegremente nas ruas, tabernas e outros lugares de confraternização populares.

Um caso entre muitos, de certeza, era aquele a que eu assistia em criança, por altura da festa anual, numa vila alentejana, à noite, quando a banda filarmónica local ocupava o coreto e começava o concerto (quase totalmente preenchido por música erudita) a população ficava em silêncio, concentrada a apreciar a música que depois aplaudia vivamente, pedindo bis.

Nessa mesma vila, alguns pintores de Lisboa, organizaram uma exposição de artes plásticas, na maioria pintura que incluía obras de artistas plásticos de vários pontos do país.

É possível dizer que a vila em peso visitou a exposição.

Faltou sim, a comunicação social, não houve críticas de especialistas nos jornais e a elite intelectual frequentadora de vernissages também não se apercebeu nada, embora tenha havido alguma divulgação. Poderíamos falar um pouco sobre a atitude desta intelectualidade mas, o que importa realçar, em qualquer dos exemplos, é a forma natural e entusiasta com que a população, dita inculta, se pode interessar, participar e apreciar aquilo que, supostamente só é usufruído por uma elite.

Eis pois, alguns exemplos da complexa relação entre a Arte e a sociedade.


Temos consciência que deixámos de fora épocas não menos importantes do que as que exemplificámos:

A antiguidade clássica, a pintura do século XVII, nomeadamente no que se refere ao retrato, o aparecimento da paisagem como protagonista da pintura, que tantos caminhos veio a abrir, nos séculos XVIII e XIX, mas procuramos centrar-nos apenas naquilo que contribuiu para unir ou afastar a Arte da Sociedade, ou seja, aquilo que deu origem a esta reflexão.


O trabalho dos artistas, tal como o de quaisquer outros intelectuais, teve uma profunda evolução ao longo dos tempos e englobou muitos domínios.

Com o Renascimento, a descoberta da representação rigorosa da perspectiva cónica e mesmo da perspectiva aérea, veio alterar profundamente a pintura e ampliar as possibilidades de representação do espaço real de diferentes pontos de vista.


A partir daí os conhecimentos que foram sendo adquiridos, como resultado da contínua pesquisa teórica e prática, foi desviando progressivamente o foco principal da representação realista rigorosa, começando a introduzir diferentes formas de subjectividade. Estamos a falar, por exemplo, dos diversos maneirismos que se seguiram ao estudo exaustivo renascentista. Desde a deformação consciente da figura humana que encontramos na pintura de Miguel Ângelo, ou de Bronzino, ou de Parmigianino, ao Maneirismo fantástico de Arcimboldo, aos excessos dos contrastes de claro-escuro de Georges de La Tour, El Greco e Caravaggio que, por sua vez, vão introduzir o Barroco.


Destacando uma outra fase da evolução da pintura, apressadamente, como até aqui, lembro como o Realismo do século XIX, que trouxe a paisagem como personagem principal, aliado à facilidade que a indústria das tintas proporcionou com a comercialização das diferentes cores já preparadas e embaladas em bisnagas, prontas a usar, deram aos pintores a possibilidade de pintarem ao ar livre, representando uma realidade não imaginada mas observada de perto. E com essa possibilidade veio a constatação de que a mesma paisagem estava em constante mutação à medida que o dia avançava, que as sombras mudavam de forma, que as cores se alteravam, em pouco tempo, conforme a incidência da luz. Viram que, para sombrear uma árvore, um rochedo, não tinham que acrescentar, preto, ou uma terra de sombra, mas sim usar a cor complementar à da zona iluminada.

Esta foi mais uma abertura de horizontes de grande importância na história da Arte.

Diferentes experiências tecnológicas como o da Daguerreotipia, da autoria do pintor Daguerre, o estudo do movimento das formas, suas transformações provocadas pelos diferentes ângulos de visão, incidência da luz, da cor, veio proporcionar aos artistas uma gama ampla de domínios de pesquisa e

a prática de técnicas na descoberta de novos pigmentos, veículos, suportes, deu origem a uma muito maior diversidade de materiais.

Os estudos da óptica, a fragmentação da luz branca, a justaposição de cores primárias por oposição à mistura dos pigmentos na paleta, a diluição do desenho dando primazia à mancha, trouxeram, mais uma vez, uma renovação total da forma de encarar a pintura que passa a descurar o rigor realista, para dar lugar a uma intensa pesquisa da acção da luz, real ou artificial, sobre essas formas. Também a subjectividade perde, temporariamente, relevância, uma vez que nas várias experiências dos impressionistas, as próprias pesquisas são o seu principal objecto de estudo, deixando de encarar a pintura apenas como representação. Lembro a conhecida frase de Maurice Denis, pintor do grupo dos Nabis: “...uma imagem, antes de ser um cavalo de batalha, um nu, uma anedota ou outros enfeites, é essencialmente uma superfície plana coberta de cores reunidas numa certa ordem



  1. O criador sem consumidor?

Os movimentos de vanguarda que revolucionaram a Arte, nos finais do século XIX início do Século XX, dando origem a uma variedade de agrupamentos/estilos, que se expandiram por diferentes áreas, - o Impressionismo, o Neo-Impressionismo, o Expressionismo, o Simbolismo e seus derivados - vão demonstrar o muito que havia que explorar regras que se impunha violar.

Mas todas as tendências e estudos que se lhes seguem, já no século XX, o Cubismo, o Surrealismo, os diferentes Abstraccionismos, foram abrindo, cada vez mais, um fosso entre artistas e público que, passado mais de um século, ainda subsiste. Não era que esses estudos não estivessem em sintonia com a época vivida nem tivessem uma razão de existir, mas as experiências eram muito diversificadas e os resultados muitas vezes inquietantes para uma sociedade habituada a associar o Belo ao bonito, o agradável à vista.

Mas urgia seguir em diversas direcções, acompanhando as mudanças vertiginosas do progresso, algumas delas desencadeadas pela própria Arte, como é o caso da Fotografia e do Cinema.

Alguns movimentos quiseram levar às últimas consequências o estudo das artes plásticas, uns anunciando a sua morte, outros tendo como ponto de partida toda a abertura de horizontes trazida pelas últimas pesquisas.

Com raízes nos primórdios do século XX, mas com grande implantação em meados do século, artistas como Joseph Kosuth, criam a Arte Conceptual, que chega a prescindir do próprio objecto, dando primazia à ideia que lhe está subjacente, o conceito.

Enquanto isto, uma outra tendência põe em evidência os objectos de uso corrente e os excessos da sociedade de consumo, a Arte Pop, nascida em Inglaterra mas “nacionalizada” americana, uma das que permaneceu durante mais tempo com inúmeras variantes. Por outro lado, as experiências minimalistas que vão dar destaque a objectos fabricados com materiais da indústria da construção civil ou outros igualmente desprovidos de qualquer sugestão simbólica, pretendiam, segundo os próprios autores, estar isentos de significado. Tanto a Arte Pop como a Minimal e, sobretudo, a arte Conceptual, contribuíram para a diluição das fronteiras entre a pintura e a escultura, dando origem à designação de objectos de arte e instalações.

De então para cá, prolifera um vasto número de tendências/movimentos, que não nos parece importante estar a enumerar neste contexto e que se prolongaram por mais umas décadas, ainda no século XX, início do século XXI.

Com o exposto, pretendemos apenas fazer um apanhado da relação entre a Arte e a Sociedade em diferentes épocas.


Poder-se-á portanto dizer que, a partir do Impressionismo o divórcio entre Arte e Sociedade tem sido cada vez mais acentuado, de tal forma que se generalizou a convicção de que a Arte é assunto reservado apenas a especialistas.


Enquanto fervilhava todo este conjunto de experiências dos séculos XIX e XX, houve sempre um bom número de artistas, que se mantinha desesperadamente agarrado às fórmulas neo-clássicas, continuando a usar os estafados temas retirados da mitologia clássica, numa pintura de um apuramento técnico, por vezes irrepreensível, onde estava quase tudo, menos o valor artístico.

Foi este batalhão de académicos que continuou ao serviço do poder e do dinheiro, mas, desgraçadamente, também a leccionar nas escolas de Belas Artes.

Os academismos nunca deixarão de estar sempre presentes, a singrar na repetição de fórmulas já sem o sentido da época em que foram feitas, enquanto as pesquisas inovadoras se vão, esforçadamente, desenvolvendo.

Ontem como hoje tais obras não provocarão qualquer reacção no público, desentendido e indiferente, o que não deixa, bem vistas as coisas, de ser natural, pois institucionalizadas, ficaram desprovidas da carga revolucionária, contestatária, inovadora, caracterizadora dos estilos que copiam.

Se uma obra minimalista dos meados do século XX teve o impacto que então se pretendia, as muitíssimas variantes que dessas obras se fazem e enchem rotundas de cidades, não têm valor, nem estético, nem outro. São apenas inócuas, aceites, é certo, por uma qualquer autarquia modernaça, e tidas por arte contemporânea.

E a sociedade, qual a reacção? “Não percebo, mas os especialistas dizem que é bom”.

Daí que proliferem estes tipos de academismos, ataviados de uma ideia de modernidade.

Exposições pertencentes a instituições várias, de obras, mais inspiradas umas no velho minimalismo, outras no não menos velho conceptualismo, mas todas elas completamente fora da época, com 80 anos de atraso e, curiosamente, apresentadas como contemporâneas.


Inevitavelmente tal como os academismos do século XIX, estes também estão sob a tutela das instituições públicas e privadas, exibidas em paredes de gabinetes ministriais, Palácio de Belém, e Bancos, empresas de Telecomunicações, Seguros, etc.. Ou seja, dependentes do poder e do dinheiro.

Mas, se os académicos do século XIX tinham que ter conhecimentos técnicos, “escola”, os actuais em voga limitam-se a mandar fabricar as peças por artesãos, operários, aqueles, que afinal, sabem trabalhar os materiais exigidos. Às vezes, basta, apenas, descontextualizar objectos, juntar-lhe uma fundamentação teórica, mais ou menos conceptual e o problema está resolvido, seguindo, desajeitadamente, as pegadas de Marcel Duchamp, 100 anos depois. Os exemplos são mil, mas convém lembrar sempre o cacilheiro mandado para a Bienal de Veneza como representante da Arte em Portugal...


Deste tipo de produções é que a sociedade está, de facto, afastada e a causa não parece que seja a falta de cultura ou de sensibilidade, sem pretender dizer

que a população é, de um modo geral, culta e sensível, pois não desconhecemos que os meios para contribuir a uma maior abertura de horizontes, preferem intoxicá-la com futebol e Fátima e demais inutilidades.


Mas a Arte, apesar da morte anunciada várias vezes, está de boa saúde. O que mais uma vez acontece é que enquanto o trabalho é de árdua pesquisa, não dá tanto nas vistas e está mesmo sujeito a desconfiança, do lucro por parte de consumidores/investidores. Não havendo certeza, não convém investir numa lebre que possa ser gato.


Estamos contudo, assistindo a um retomar de pintura que volta a renovar-se na realidade, não como antes nos diferentes realismos ao longo da história mas, naturalmente, na realidade integrada do tempo actual, na visão do mundo actual, tal como aconteceu em toda a forma de Arte, inevitável, época após época. Hoje podemos contemplar obras de bastante qualidade, verdadeiros testemunhos do tempo que vivemos e vemos surgir por todo o mundo fora.

Obras produto de procuras inovadoras que, reflectem de facto, esta sociedade em que estamos inseridos, e podem ser vistos apreciados em locais diversos do novo mundo digital, e com a naturalidade, dos graus de compreensão diferentes dos indivíduos diferentes.


Muito gostaríamos de um final feliz nesta reflexão. Os artistas, porém, vivem da retribuição pelo seu trabalho, tal como acontece com um qualquer outro trabalhador. Continuando, contudo concentrado o dinheiro em meia dúzia de bolsas, os donos, quando compram Arte, fazem-no como investimento duradouro e rentável, crendo ter joias no que não passa de pechisbeque, guardado sim, ciosamente, em grandes colecções.

O final, portanto, não sendo feliz, vem a ser irónico, já que, frequentemente, a produção é pimba e é gato e não lebre o que lhes recheia suas galerias.



Maria João Ramos








quarta-feira, 4 de março de 2015

Crónica com um final triste





De como se acaba uma vida

É de uma mulher que venho falar, dela e da sua descendência.
Vamos chamar-lhe Celestina.
Tendo nascido no Alentejo, cedo foi para Lisboa onde veio a casar com um conterrâneo, o Filipe.
A Celestina, como toda a gente, fez muitas coisas boas pelos outros, mas também cometeu as suas asneiras.
Era muito senhora de si e, naquela casa, toda a gente tinha que seguir as suas orientações.
Teve duas filhas, a Esmeralda e a Ana, com uma diferença de idades de oito anos.

Não é minha intenção falar de todos os anos em que a família esteve junta. A minha preocupação é de tentar dar uma ideia da relação entre as três mulheres ou, mais precisamente, quatro, Pois a Ana veio a ter dois filhos, dos quais uma rapariga, a Sara, que adorava a avó.

Da relação entre elas, também só vou referir o período em que Celestina e Filipe já eram idosos e doentes.

Neste período da vida estavam eles no Alentejo, a Esmeralda e seu marido André viviam em Lisboa, bem como a Sara. A Ana e seu marido Artur viviam no Algarve, para onde foram trabalhar. Além desse trabalho, o Artur deslocava-se todas as semanas a Lisboa onde tinha uma outra ocupação.

A dada altura Filipe adoeceu, apareceu-lhe sangue nas fezes. Celestina telefonou imediatamente para Ana (e não para Lisboa, onde residia a filha mais velha). Nessa mesma noite Artur saiu do Algarve para o Alentejo, a fim de levar o sogro ao hospital. Ana não o acompanhou porque não podia faltar ao emprego.
A rapidez da resposta de Artur teve bastante importância para que Filipe fosse tratado atempadamente.
Filipe foi operado e sobreviveu mais seis anos. Morreu aos 85.

Passada a operação, o casal foi para o Algarve, para casa da filha Ana.
No entanto, quando Filipe se sentiu pior e previu que ia morrer, quis ser levado para o Alentejo.
Aí, na sua casa, foi tratado com todo o carinho, por uma vizinha e, na fase terminal, para além desta vizinha, revezavam-se a Ana e a sua filha Sara.
Nunca teve a visita de Esmeralda, a não ser nos últimos dias de vida e no dia em que faleceu.

Passado esse momento difícil havia que levar Celestina para casa de uma filha, pois ela ficou, naturalmente, muito abalada com a morte do marido.
Mas qual filha? A Ana, claro.

Mas a recuperação de Celestina foi muito penosa.
Fisicamente melhorou bastante mas, estava sempre mal-humorada, deprimida, não se sentia bem em casa da filha. Conseguiu então convencer a Ana que devia voltar à sua casa no Alentejo. E voltou, de facto, mas a má disposição, a depressão mantinham-se.
Ana telefonava-lhe todos os fins-de-semana e notava que ela não estava melhor.

Até que um dia a vizinha telefonou à Ana, aflita, que Celestina tinha cortado os pulsos e tinha seguido para o Hospital de Évora.

Lá foi a Ana o Artur e a Sara para o Hospital para a ver.
Esmeralda nunca lá foi.

O médico que a acompanhou perguntou se ela tinha para onde ir, sem ser a casa dela, e lá foi outra vez para o Algarve.

Mas ela não estava nada bem. Não queria estar em lado nenhum.
Muitos dias ficava sozinha em casa, pois a filha ia trabalhar, e, por vezes, até tarde, e o genro passava metade da semana em Lisboa.
Depois começou a deixar o gás do fogão ligado, não comia, zangava-se porque Ana vinha tarde para casa, passava dias amuada, uma noite caiu da cama urinando-se toda, sem que a Ana tivesse força para a levantar do chão, escorregando as duas numa enorme poça de urina. Valeu à Ana que a sua empregada morava no mesmo prédio e, às 3 da manhã, foi a casa dela pedir auxílio.

Chegou o momento em que já não era possível continuar em casa. A Ana falou com a mãe na possibilidade de ela ir para um lar, ela não discordou e lá foram as duas conhecer os lares da região, ver os prós e os contras de cada um e, por fim, escolheram um que parecia bom.

Não foi nada fácil para Ana tomar essa decisão. Sempre fora contra essas instituições. Mas que fazer? Com a irmã não podia contar.

A Esmeralda tinha-se reformado, mas não queria que a mãe soubesse, não fosse ela querer ir para sua casa.
Sara estava desempregada, talvez pudesse ter dado uma ajuda à mãe para tratar da avó. Provavelmente pensava que, se a tia não fazia isso, porquê ela?

Celestina veio a falecer, ao terceiro ano de estar no lar, porque abriu o portão, já de noite, e fugiu, não conseguindo, no entanto, fazer o percurso, sem que viesse a cair.

Isto aconteceu em 2003. De então para cá Ana tem sofrido com os remorsos de se ter visto forçada a pôr a mãe no lar. E o triste fim a que deu origem.

Pergunta-se: onde estava a Esmeralda e a Sara durante esse tempo?
Esmeralda, nos seus longos passeios pelo estrangeiro, de tal forma que nem estava em Portugal na altura do funeral da mãe.
A Sara, por muito que gostasse da avó, não queria sair de Lisboa, detestava o Algarve.

Mas, o que é espantoso, é que, ainda hoje Ana seja acusada de atirar com a mãe para um lar e deixá-la lá presa durante 4 anos.
Como é fácil acusar as pessoas, ser acusada de ser a má da fita, quando nunca se escusou a receber os pais, excepto na fase final da vida da mãe quando, sozinha, sem a ajuda da irmã e da filha, não tinha possibilidade, fisicamente, de a tratar.


quarta-feira, 12 de março de 2014

Resistência

Focos de resistência

Nem todos estamos a dormir, embalados pelas mentiras vergonhosas dos políticos, veiculadas pelos jornais, televisões e outros meios de desinformação e de entorpecimento da população.

Felizmente, começamos a encontrar quem nos vá dando conta do que, verdadeiramente, se vai passando neste país.

Aconselho vivamente a leitura de dois blogs muito esclarecedores da realidade.

irresiliencias.blogspot.pt
e
oqueelesescondem.blogspot.pt