quarta-feira, 4 de março de 2015

Crónica com um final triste





De como se acaba uma vida

É de uma mulher que venho falar, dela e da sua descendência.
Vamos chamar-lhe Celestina.
Tendo nascido no Alentejo, cedo foi para Lisboa onde veio a casar com um conterrâneo, o Filipe.
A Celestina, como toda a gente, fez muitas coisas boas pelos outros, mas também cometeu as suas asneiras.
Era muito senhora de si e, naquela casa, toda a gente tinha que seguir as suas orientações.
Teve duas filhas, a Esmeralda e a Ana, com uma diferença de idades de oito anos.

Não é minha intenção falar de todos os anos em que a família esteve junta. A minha preocupação é de tentar dar uma ideia da relação entre as três mulheres ou, mais precisamente, quatro, Pois a Ana veio a ter dois filhos, dos quais uma rapariga, a Sara, que adorava a avó.

Da relação entre elas, também só vou referir o período em que Celestina e Filipe já eram idosos e doentes.

Neste período da vida estavam eles no Alentejo, a Esmeralda e seu marido André viviam em Lisboa, bem como a Sara. A Ana e seu marido Artur viviam no Algarve, para onde foram trabalhar. Além desse trabalho, o Artur deslocava-se todas as semanas a Lisboa onde tinha uma outra ocupação.

A dada altura Filipe adoeceu, apareceu-lhe sangue nas fezes. Celestina telefonou imediatamente para Ana (e não para Lisboa, onde residia a filha mais velha). Nessa mesma noite Artur saiu do Algarve para o Alentejo, a fim de levar o sogro ao hospital. Ana não o acompanhou porque não podia faltar ao emprego.
A rapidez da resposta de Artur teve bastante importância para que Filipe fosse tratado atempadamente.
Filipe foi operado e sobreviveu mais seis anos. Morreu aos 85.

Passada a operação, o casal foi para o Algarve, para casa da filha Ana.
No entanto, quando Filipe se sentiu pior e previu que ia morrer, quis ser levado para o Alentejo.
Aí, na sua casa, foi tratado com todo o carinho, por uma vizinha e, na fase terminal, para além desta vizinha, revezavam-se a Ana e a sua filha Sara.
Nunca teve a visita de Esmeralda, a não ser nos últimos dias de vida e no dia em que faleceu.

Passado esse momento difícil havia que levar Celestina para casa de uma filha, pois ela ficou, naturalmente, muito abalada com a morte do marido.
Mas qual filha? A Ana, claro.

Mas a recuperação de Celestina foi muito penosa.
Fisicamente melhorou bastante mas, estava sempre mal-humorada, deprimida, não se sentia bem em casa da filha. Conseguiu então convencer a Ana que devia voltar à sua casa no Alentejo. E voltou, de facto, mas a má disposição, a depressão mantinham-se.
Ana telefonava-lhe todos os fins-de-semana e notava que ela não estava melhor.

Até que um dia a vizinha telefonou à Ana, aflita, que Celestina tinha cortado os pulsos e tinha seguido para o Hospital de Évora.

Lá foi a Ana o Artur e a Sara para o Hospital para a ver.
Esmeralda nunca lá foi.

O médico que a acompanhou perguntou se ela tinha para onde ir, sem ser a casa dela, e lá foi outra vez para o Algarve.

Mas ela não estava nada bem. Não queria estar em lado nenhum.
Muitos dias ficava sozinha em casa, pois a filha ia trabalhar, e, por vezes, até tarde, e o genro passava metade da semana em Lisboa.
Depois começou a deixar o gás do fogão ligado, não comia, zangava-se porque Ana vinha tarde para casa, passava dias amuada, uma noite caiu da cama urinando-se toda, sem que a Ana tivesse força para a levantar do chão, escorregando as duas numa enorme poça de urina. Valeu à Ana que a sua empregada morava no mesmo prédio e, às 3 da manhã, foi a casa dela pedir auxílio.

Chegou o momento em que já não era possível continuar em casa. A Ana falou com a mãe na possibilidade de ela ir para um lar, ela não discordou e lá foram as duas conhecer os lares da região, ver os prós e os contras de cada um e, por fim, escolheram um que parecia bom.

Não foi nada fácil para Ana tomar essa decisão. Sempre fora contra essas instituições. Mas que fazer? Com a irmã não podia contar.

A Esmeralda tinha-se reformado, mas não queria que a mãe soubesse, não fosse ela querer ir para sua casa.
Sara estava desempregada, talvez pudesse ter dado uma ajuda à mãe para tratar da avó. Provavelmente pensava que, se a tia não fazia isso, porquê ela?

Celestina veio a falecer, ao terceiro ano de estar no lar, porque abriu o portão, já de noite, e fugiu, não conseguindo, no entanto, fazer o percurso, sem que viesse a cair.

Isto aconteceu em 2003. De então para cá Ana tem sofrido com os remorsos de se ter visto forçada a pôr a mãe no lar. E o triste fim a que deu origem.

Pergunta-se: onde estava a Esmeralda e a Sara durante esse tempo?
Esmeralda, nos seus longos passeios pelo estrangeiro, de tal forma que nem estava em Portugal na altura do funeral da mãe.
A Sara, por muito que gostasse da avó, não queria sair de Lisboa, detestava o Algarve.

Mas, o que é espantoso, é que, ainda hoje Ana seja acusada de atirar com a mãe para um lar e deixá-la lá presa durante 4 anos.
Como é fácil acusar as pessoas, ser acusada de ser a má da fita, quando nunca se escusou a receber os pais, excepto na fase final da vida da mãe quando, sozinha, sem a ajuda da irmã e da filha, não tinha possibilidade, fisicamente, de a tratar.