De como se acaba uma vida
É de uma mulher que venho falar, dela e da sua descendência.
Vamos chamar-lhe Celestina.
Tendo nascido no Alentejo, cedo foi para Lisboa onde veio a casar com um
conterrâneo, o Filipe.
A Celestina, como toda a gente, fez muitas coisas boas pelos outros, mas
também cometeu as suas asneiras.
Era muito senhora de si e, naquela casa, toda a gente tinha que seguir as
suas orientações.
Teve duas filhas, a Esmeralda e a Ana, com uma diferença de idades de oito
anos.
Não é minha intenção falar de todos os anos em que a família esteve junta.
A minha preocupação é de tentar dar uma ideia da relação entre as três mulheres
ou, mais precisamente, quatro, Pois a Ana veio a ter dois filhos, dos quais uma
rapariga, a Sara, que adorava a avó.
Da relação entre elas, também só vou referir o período em que Celestina e
Filipe já eram idosos e doentes.
Neste período da vida estavam eles no Alentejo, a Esmeralda e seu marido
André viviam em Lisboa, bem como a Sara. A Ana e seu marido Artur viviam no
Algarve, para onde foram trabalhar. Além desse trabalho, o Artur deslocava-se
todas as semanas a Lisboa onde tinha uma outra ocupação.
A dada altura Filipe adoeceu, apareceu-lhe sangue nas fezes. Celestina
telefonou imediatamente para Ana (e não para Lisboa, onde residia a filha mais
velha). Nessa mesma noite Artur saiu do Algarve para o Alentejo, a fim de levar
o sogro ao hospital. Ana não o acompanhou porque não podia faltar ao emprego.
A rapidez da resposta de Artur teve bastante importância para que Filipe
fosse tratado atempadamente.
Filipe foi operado e sobreviveu mais seis anos. Morreu aos 85.
Passada a operação, o casal foi para o Algarve, para casa da filha Ana.
No entanto, quando Filipe se sentiu pior e previu que ia morrer, quis ser
levado para o Alentejo.
Aí, na sua casa, foi tratado com todo o carinho, por uma vizinha e, na fase
terminal, para além desta vizinha, revezavam-se a Ana e a sua filha Sara.
Nunca teve a visita de Esmeralda, a não ser nos últimos dias de vida e no
dia em que faleceu.
Passado esse momento difícil havia que levar Celestina para casa de uma
filha, pois ela ficou, naturalmente, muito abalada com a morte do marido.
Mas qual filha? A Ana, claro.
Mas a recuperação de Celestina foi muito penosa.
Fisicamente melhorou bastante mas, estava sempre mal-humorada, deprimida,
não se sentia bem em casa da filha. Conseguiu então convencer a Ana que devia
voltar à sua casa no Alentejo. E voltou, de facto, mas a má disposição, a
depressão mantinham-se.
Ana telefonava-lhe todos os fins-de-semana e notava que ela não estava
melhor.
Até que um dia a vizinha telefonou à Ana, aflita, que Celestina tinha
cortado os pulsos e tinha seguido para o Hospital de Évora.
Lá foi a Ana o Artur e a Sara para o Hospital para a ver.
Esmeralda nunca lá foi.
O médico que a acompanhou perguntou se ela tinha para onde ir, sem ser a
casa dela, e lá foi outra vez para o Algarve.
Mas ela não estava nada bem. Não queria estar em lado nenhum.
Muitos dias ficava sozinha em casa, pois a filha ia trabalhar, e, por
vezes, até tarde, e o genro passava metade da semana em Lisboa.
Depois começou a deixar o gás do fogão ligado, não comia, zangava-se porque
Ana vinha tarde para casa, passava dias amuada, uma noite caiu da cama
urinando-se toda, sem que a Ana tivesse força para a levantar do chão,
escorregando as duas numa enorme poça de urina. Valeu à Ana que a sua empregada
morava no mesmo prédio e, às 3 da manhã, foi a casa dela pedir auxílio.
Chegou o momento em que já não era possível continuar em casa. A Ana falou
com a mãe na possibilidade de ela ir para um lar, ela não discordou e lá foram
as duas conhecer os lares da região, ver os prós e os contras de cada um e, por
fim, escolheram um que parecia bom.
Não foi nada fácil para Ana tomar essa decisão. Sempre fora contra essas
instituições. Mas que fazer? Com a irmã não podia contar.
A Esmeralda tinha-se reformado, mas não queria que a mãe soubesse, não
fosse ela querer ir para sua casa.
Sara estava desempregada, talvez pudesse ter dado uma ajuda à mãe para
tratar da avó. Provavelmente pensava que, se a tia não fazia isso, porquê ela?
Celestina veio a falecer, ao terceiro ano de estar no lar, porque abriu o
portão, já de noite, e fugiu, não conseguindo, no entanto, fazer o percurso,
sem que viesse a cair.
Isto aconteceu em 2003. De então para cá Ana tem sofrido com os remorsos de
se ter visto forçada a pôr a mãe no lar. E o triste fim a que deu origem.
Pergunta-se: onde estava a Esmeralda e a Sara durante esse tempo?
Esmeralda, nos seus longos passeios pelo estrangeiro, de tal forma que nem
estava em Portugal na altura do funeral da mãe.
A Sara, por muito que gostasse da avó, não queria sair de Lisboa, detestava
o Algarve.
Mas, o que é espantoso, é que, ainda hoje Ana seja acusada de atirar com a mãe
para um lar e deixá-la lá presa durante 4 anos.
Como é fácil acusar as pessoas, ser acusada de ser a má da fita, quando
nunca se escusou a receber os pais, excepto na fase final da vida da mãe
quando, sozinha, sem a ajuda da irmã e da filha, não tinha possibilidade,
fisicamente, de a tratar.
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